terça-feira, 2 de abril de 2013

Onde foi que erramos? A aceitação social do machismo e da misoginia. Parte I: uma situação hipotética


Dizem que vivemos numa sociedade racista e homofóbica, é verdade, mas contra o racismo e a homofobia muitas vozes se levantam e as reações são mais fortes e com resultados concretos. O sucesso meteórico do "cantor" Tiririca teve uma sobrevida mais curta depois que ele fez uma música que tinha entre seus versos poéticos coisas como "nega fedida". Passado o episódio o palhaço passou alguns anos no ostracismo até ser redescoberto durante as últimas eleições federais e ser alçado ao cargo de deputado com uma votação recorde que tem muito a nos dizer sobre a consciência política dos eleitores brasileiros. Há pouco, a cantora Joelma do grupo Calypso voltou às capas dos jornais depois de ter comparado a homossexualidade com o vício nas drogas. Pessoas reclamaram, outras acharam legal e parece que o marido dela está em depressão graças às declarações ilustradas da esposa brilhante por conta das purpurinas, não da música ou da inteligência, claro! 

O fato é que concordando ou discordando, estando do lado anti-preconceitos ou do lado "eu quero pensar como um brucutu", racismo e homofobia são coisas que ocupam as capas dos jornais e as discussões nas redes sociais ou butecos. As pessoas discutem essas coisas e a cada dia observamos que a repulsa social ao preconceito racial tem aumentado, a repulsa à homofobia também dá sinais de estar em alta. É inegável que a militância organizada, as ações do governo e a recorrência com a qual esses temas aparecem contribuem enormemente com a mudança de postura em andamento. É assim que a história segue seu rumo: paradigmas são questionados e derrubados, opiniões mudam, pessoas se escandalizam com coisas que já foram normais. 

Mas há ainda um tipo de discriminação que não só é forte e perpetrado impunemente - e quando falo de punição não me refiro apenas às penas estatais, mas à pena social, aquela que condena baseada em costumes - como ainda desperta pouquíssima empatia social: trata-se do machismo e da misoginia. 

Ora, vamos aqui criar uma situação hipotética em torno de um personagem que chamaremos de Custódio. Custódio tem quarenta anos, um emprego estável, é casado e tem filhos e cumpre suas obrigações como qualquer cidadão honesto. Custódio um dia conversava com um amigo do trabalho, chamado José, sobre a Bete, a nova gerente. Bete tem trinta e cinco anos, é bonita, independente e conhece todos os continentes. Uma profissional altamente qualificada com experiência em multinacionais e que decidiu aceitar a oferta de voltar a trabalhar no Brasil porque estava com saudades de São Paulo e, principalmente, do cotidiano tipicamente brasileiro. Bom, vamos nos aproximar de Custódio e José para ouvirmos o que eles falam sobre a Bete.

Custódio: Gostosa a nova gerente, né?
José: Ô lá em casa.
Custódio: hehe ela é solteira cara, se não for na sua casa pode ser em outro lugar. Deve ser fácil, como você imagina que ela arrumou esse emprego? Bonita daquele jeito só pode ter sido o teste do sofá.
José: É mesmo, vou investir cara!
Custódio: Vá com tudo, camarada, vá com tudo! Solteirona, deve estar doida por um macho. Ou então é sapatão, se for sapatão você pode até descolar uma brincadeirinha à três. 

hmmm… 

No dia seguinte, Custódio e José conversam sobre o novo gerente assistente, o nome dele é Augusto e auxilia a Bete. Augusto tem 25 anos, formado em economia pela USP e com especialização em comércio exterior pela FGV. Augusto é negro. O que será que Custódio e José estão falando sobre ele?

Custódio: Viu o novo gerente assistente?
José: Ainda não.
Custódio: Como não? É aquele negrinho magricela.
José: Tá de sacanagem?
Custódio: Bem que eu gostaria de estar. É sério, ele é o novo assistente.
José: Pensei que fosse o novo faxineiro.
Custódio: hahahahaha deveria ser, né? Olha como estão as coisas.

Certo. Agora vamos supor que essa conversa tenha vindo à público e apareceu no Jornal Nacional. Qual dos dois diálogos despertaria mais indignação? O primeiro, no qual Custódio e José menosprezam a capacidade de Bete por ela ser mulher e afirmam que ela só conquistou o emprego por ter mantido relações sexuais com o superior e ainda dizem que ela, solteira que é, deve estar atrás de um macho ou deve ser lésbica, portanto José deve assediá-la? Ou a segunda, onde nossos personagens dizem que Augusto deveria ser faxineiro uma vez que é negro? 

Responda com sinceridade, por favor. E reflita também: por que o preconceito racial é mais repulsivo socialmente do que o preconceito contra mulheres?

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