O furor causado pela entrevista do
Pastor Silas Malafaia no programa da Marília Gabriela traz algumas questões
interessantes que merecem apreciação.
Não quero me alongar nas falácias “científicas”
que o pastor proferiu (veja aqui um vídeo excelente que rebate o pastor), mas
fico a me perguntar se ele falou tudo aquilo por ignorância ou propositalmente
mentiu. A questão que fica é sobre o [mau] uso de pesquisas científicas que
esses pastores fazem. Engraçado como eles o tempo inteiro detratam avanços
inegáveis e reiteradamente comprovados – como a elegante Teoria da Evolução –
mas não hesitam em recorrer à ciência, de forma equivocada, diga-se de
passagem, para “comprovar” seus argumentos. É uma relação esquizofrênica a que
os pastores têm com a ciência... num universo de centenas, milhares, milhões de
estudos que comprovam a teoria de Darwin, eles selecionam um que supostamente questiona
a teoria. Não dizem que esse artigo é uma exceção, que não é reconhecido pela
comunidade científica, claro! Mas vociferam “está cientificamente comprovado!”.
Por outro lado, quando estão diante das enormidades de estudos que derrubam
tudo aquilo que defendem arbitrariamente, os pastores simplesmente fazem pouco
da ciência, dizem que ela não presta, que nada significa, que tudo o que
precisamos saber está na bíblia. Ué, pastores, se tudo está na bíblia por que
vocês ainda citam alguns estudos científicos que dizem o que vocês querem
ouvir? Decidam-se, por favor! Ou vocês acreditam só no que está na bíblia e só
o conhecimento nela é válido, ou vocês consideram estudos científicos... e se
vocês considerarem o conhecimento científico, use-o com honestidade!
O fato é que a fé não precisa de
comprovação científica, se precisasse não seria fé, ora bolas! É mais sincero
dizer “Eu acredito que Deus criou o mundo em sete dias, embora isso não seja
comprovado pela observação científica, eu continuo acreditando, pois tenho fé”
ou “eu acredito que homossexualidade é comportamento, ou seja, as pessoas são
homossexuais porque querem ser. Embora isso não seja comprovado, eu continuo
acreditando, pois tenho fé”. Honestidade, meus caros, é sempre melhor do que
malabarismos retóricos e mentiras.
Mas enfim, uma das vantagens de se viver numa sociedade democrática é saber que podemos acreditar nas coisas, por
mais absurdas que elas possam parecer. Podemos acreditar nas coisas e falar
sobre elas, debater em público, expressar o que pensamos e sentimos. O direito
de proferir nossas crenças, de defender a ciências, de acreditar numa
determinada religião ou seguir o caminho da pesquisa científica, em poucas
palavras, o direito de escolha, é uma das mais importantes conquistas da
humanidade e todos nós devemos defender isso. Mesmo que isso nos leve a ouvir
coisas com as quais não concordamos, que soam tão estúpidas que chega a dar dor
no estômago. Ter o direito de pensar de forma x ou y é o mais próximo que
podemos chegar da liberdade, e quando ameaçamos pessoas que pensam x ou invés
de y não estamos apenas colocando em risco a liberdade delas, estamos colocando
em risco a liberdade de todos nós, amanhã pode ser que os nossos valores sejam
o alvo.
E nesse ponto eu concordo com o Silas
Malafaia quando ele fala do PLC 122/2006. O que as pessoas não parecem perceber
é que esse projeto de lei escolheu um jeito muito errado para supostamente
proteger os homossexuais. Na verdade, mais do que um projeto que quer defender
grupos que sofrem preconceito, ele é um projeto que regula a opinião.
Vamos por partes.
1. 1. O PLC 122/2006 torna crime veicular preconceitos
contra homossexuais. Ora, o que define, sem sombra de dúvidas, uma opinião
preconceituosa? É preconceito dizer que a bíblia condena a prática homossexual?
Está escrito lá, consulte todas as traduções da bíblia disponíveis e mesmo que
você encontre algumas diferenças nelas, em geral a interpretação das passagens
sobre comportamento homossexual não são favoráveis a esse comportamento. É
obvio que eu poderia insistir na construção histórica da bíblia, eu poderia
falar dos critérios que serviram para definir quais livros deveriam compor o
cânone e quais deveriam ser preteridos, eu poderia falar das formas como alguns
religiosos leem a bíblia de maneira tendenciosa, como escolhem trechos isolados
para comprovar seus próprios sistemas de valores. Eu não só poderia, eu posso.
Eu posso escrever aqui nesse blog rebatendo os argumentos de Malafaia, e posso
fazer isso porque ele pôde expressar seus argumentos! E se ele não pudesse, se
ele fosse processado e detido por falar o que fala? Como eu poderia entrar no
debate público se um projeto de lei que cala o outro lado fosse aprovado? Nesse
caso, não existiria debate, só as pessoas que acreditam numa determinada coisa
poderiam falar em público, as outras, as vozes discordantes, teriam que se
defender diante do juiz! É realmente isso que queremos?
2. 2. Não é um projeto de lei que pune com multas e
cadeia que vai acabar com o preconceito. O máximo que um projeto desses pode
fazer é impedir que as pessoas manifestem esse suposto preconceito! Vamos dar o
exemplo do racismo. Racismo é crime inafiançável no Brasil, isso por acaso
acabou com o racismo? Não, apenas tirou o racismo do discurso público e o jogou
para o âmbito privado. Pais e mães continuam emitindo comentários racistas para
seus filhos, amigos continuam fazendo comentários racistas nas mesas de bar, as
pessoas continuam falando coisas racistas, e como essas pessoas não o fazem em
ambientes onde diversas opiniões circulam, como essas pessoas só ousam falar
algo racista entre pessoas que concordam com ela, ninguém rebate os
comentários. Eles são recebidos de forma positiva, são aceitos, propagados. Há
campanhas e programas sobre racismo, mas não há contra-argumentos públicos para
essas campanhas e programas, eles são um monólogo repetitivo justamente porque
os contra-argumentos não vão a público! A criminalização do racismo matou o
debate sobre o racismo, mas não acabou com o racismo! Não funcionou, vamos
reconhecer. E se não funcionou com o racismo, vai funcionar com a homofobia?
Duvido.
3. 3. “Então você está defendendo o direito de ser
preconceituoso?”, alguém pode perguntar, Sim! Estou, pois “preconceituoso” é um
adjetivo que alguém imputa a outrem, raramente uma pessoa diz “eu sou
preconceituosa”. As pessoas muitas vezes só tomam ciência de que algo é
preconceituoso quando alguém aponta isso para elas, e isso só é possível se as
pessoas não tiverem medo de dizer o que pensam. Se eu tenho medo de comentar
algo sobre os negros, pois sei que eu posso dizer algo que pode ser considerado
racista e portanto ser processada
criminalmente por isso, eu simplesmente me calo e continua a ter os meus juízos
sobre os negros sem expressá-los publicamente e sem poder debater para testar
meus juízos e revê-los. Isso é, mais uma vez, um exemplo.
Por fim, eu não duvido das boas intenções por trás da proposta do PLC
122/2006. Mas eu temo que essas boas intenções gerem algo muito perigoso e que
vai ameaçar seriamente a liberdade de crença, a liberdade de expressão, a
liberdade de opinião, em suma, a liberdade. Essa proposta pode matar o que
temos de mais valioso, algo pelo o qual muitas pessoas deram a vida. Pensar,
falar, debater, são coisas que nos tornam humanos. Diferenciamo-nos de outras
espécies por nossa consciência e nossa capacidade de refletir sobre diversas
possibilidades e de optarmos por uma ou outra. Ameaçar a livre circulação de
idéias é ameaçar a humanidade.
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