terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Em certos pontos eu concordo com Silas Malafaia – o PLC 122/2006


O furor causado pela entrevista do Pastor Silas Malafaia no programa da Marília Gabriela traz algumas questões interessantes que merecem apreciação.

Não quero me alongar nas falácias “científicas” que o pastor proferiu (veja aqui um vídeo excelente que rebate o pastor), mas fico a me perguntar se ele falou tudo aquilo por ignorância ou propositalmente mentiu. A questão que fica é sobre o [mau] uso de pesquisas científicas que esses pastores fazem. Engraçado como eles o tempo inteiro detratam avanços inegáveis e reiteradamente comprovados – como a elegante Teoria da Evolução – mas não hesitam em recorrer à ciência, de forma equivocada, diga-se de passagem, para “comprovar” seus argumentos. É uma relação esquizofrênica a que os pastores têm com a ciência... num universo de centenas, milhares, milhões de estudos que comprovam a teoria de Darwin, eles selecionam um que supostamente questiona a teoria. Não dizem que esse artigo é uma exceção, que não é reconhecido pela comunidade científica, claro! Mas vociferam “está cientificamente comprovado!”. Por outro lado, quando estão diante das enormidades de estudos que derrubam tudo aquilo que defendem arbitrariamente, os pastores simplesmente fazem pouco da ciência, dizem que ela não presta, que nada significa, que tudo o que precisamos saber está na bíblia. Ué, pastores, se tudo está na bíblia por que vocês ainda citam alguns estudos científicos que dizem o que vocês querem ouvir? Decidam-se, por favor! Ou vocês acreditam só no que está na bíblia e só o conhecimento nela é válido, ou vocês consideram estudos científicos... e se vocês considerarem o conhecimento científico, use-o com honestidade!
O fato é que a fé não precisa de comprovação científica, se precisasse não seria fé, ora bolas! É mais sincero dizer “Eu acredito que Deus criou o mundo em sete dias, embora isso não seja comprovado pela observação científica, eu continuo acreditando, pois tenho fé” ou “eu acredito que homossexualidade é comportamento, ou seja, as pessoas são homossexuais porque querem ser. Embora isso não seja comprovado, eu continuo acreditando, pois tenho fé”. Honestidade, meus caros, é sempre melhor do que malabarismos retóricos e mentiras.
Mas enfim, uma das vantagens de se viver numa sociedade democrática é saber que podemos acreditar nas coisas, por mais absurdas que elas possam parecer. Podemos acreditar nas coisas e falar sobre elas, debater em público, expressar o que pensamos e sentimos. O direito de proferir nossas crenças, de defender a ciências, de acreditar numa determinada religião ou seguir o caminho da pesquisa científica, em poucas palavras, o direito de escolha, é uma das mais importantes conquistas da humanidade e todos nós devemos defender isso. Mesmo que isso nos leve a ouvir coisas com as quais não concordamos, que soam tão estúpidas que chega a dar dor no estômago. Ter o direito de pensar de forma x ou y é o mais próximo que podemos chegar da liberdade, e quando ameaçamos pessoas que pensam x ou invés de y não estamos apenas colocando em risco a liberdade delas, estamos colocando em risco a liberdade de todos nós, amanhã pode ser que os nossos valores sejam o alvo.
E nesse ponto eu concordo com o Silas Malafaia quando ele fala do PLC 122/2006. O que as pessoas não parecem perceber é que esse projeto de lei escolheu um jeito muito errado para supostamente proteger os homossexuais. Na verdade, mais do que um projeto que quer defender grupos que sofrem preconceito, ele é um projeto que regula a opinião.
Vamos por partes.
1.     1.  O PLC 122/2006 torna crime veicular preconceitos contra homossexuais. Ora, o que define, sem sombra de dúvidas, uma opinião preconceituosa? É preconceito dizer que a bíblia condena a prática homossexual? Está escrito lá, consulte todas as traduções da bíblia disponíveis e mesmo que você encontre algumas diferenças nelas, em geral a interpretação das passagens sobre comportamento homossexual não são favoráveis a esse comportamento. É obvio que eu poderia insistir na construção histórica da bíblia, eu poderia falar dos critérios que serviram para definir quais livros deveriam compor o cânone e quais deveriam ser preteridos, eu poderia falar das formas como alguns religiosos leem a bíblia de maneira tendenciosa, como escolhem trechos isolados para comprovar seus próprios sistemas de valores. Eu não só poderia, eu posso. Eu posso escrever aqui nesse blog rebatendo os argumentos de Malafaia, e posso fazer isso porque ele pôde expressar seus argumentos! E se ele não pudesse, se ele fosse processado e detido por falar o que fala? Como eu poderia entrar no debate público se um projeto de lei que cala o outro lado fosse aprovado? Nesse caso, não existiria debate, só as pessoas que acreditam numa determinada coisa poderiam falar em público, as outras, as vozes discordantes, teriam que se defender diante do juiz! É realmente isso que queremos?
2.     2.  Não é um projeto de lei que pune com multas e cadeia que vai acabar com o preconceito. O máximo que um projeto desses pode fazer é impedir que as pessoas manifestem esse suposto preconceito! Vamos dar o exemplo do racismo. Racismo é crime inafiançável no Brasil, isso por acaso acabou com o racismo? Não, apenas tirou o racismo do discurso público e o jogou para o âmbito privado. Pais e mães continuam emitindo comentários racistas para seus filhos, amigos continuam fazendo comentários racistas nas mesas de bar, as pessoas continuam falando coisas racistas, e como essas pessoas não o fazem em ambientes onde diversas opiniões circulam, como essas pessoas só ousam falar algo racista entre pessoas que concordam com ela, ninguém rebate os comentários. Eles são recebidos de forma positiva, são aceitos, propagados. Há campanhas e programas sobre racismo, mas não há contra-argumentos públicos para essas campanhas e programas, eles são um monólogo repetitivo justamente porque os contra-argumentos não vão a público! A criminalização do racismo matou o debate sobre o racismo, mas não acabou com o racismo! Não funcionou, vamos reconhecer. E se não funcionou com o racismo, vai funcionar com a homofobia? Duvido.
3.      3. “Então você está defendendo o direito de ser preconceituoso?”, alguém pode perguntar, Sim! Estou, pois “preconceituoso” é um adjetivo que alguém imputa a outrem, raramente uma pessoa diz “eu sou preconceituosa”. As pessoas muitas vezes só tomam ciência de que algo é preconceituoso quando alguém aponta isso para elas, e isso só é possível se as pessoas não tiverem medo de dizer o que pensam. Se eu tenho medo de comentar algo sobre os negros, pois sei que eu posso dizer algo que pode ser considerado  racista e portanto ser processada criminalmente por isso, eu simplesmente me calo e continua a ter os meus juízos sobre os negros sem expressá-los publicamente e sem poder debater para testar meus juízos e revê-los. Isso é, mais uma vez, um exemplo.

Por fim, eu não duvido das boas intenções por trás da proposta do PLC 122/2006. Mas eu temo que essas boas intenções gerem algo muito perigoso e que vai ameaçar seriamente a liberdade de crença, a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, em suma, a liberdade. Essa proposta pode matar o que temos de mais valioso, algo pelo o qual muitas pessoas deram a vida. Pensar, falar, debater, são coisas que nos tornam humanos. Diferenciamo-nos de outras espécies por nossa consciência e nossa capacidade de refletir sobre diversas possibilidades e de optarmos por uma ou outra. Ameaçar a livre circulação de idéias é ameaçar a humanidade.